sexta-feira, 17 de julho de 2009

Peter Pan, licor e dois dedos de conversa

É licor na minha boca. Desce quente e desagradável pela minha garganta, assim tomado de mal sentada, faz.me inspirar o álcool e abre.me as narinas, leva.me até a tossir involuntariamente com o choque. Depois fica o ligeiro ardor na garganta, estranhamente aquecida, e o sabor na boca que afinal reconhece algo de doce e meloso. Bebo mais um, inevitavelmente aliciada, e mal não fará, decido. E assim se retoma o ciclo.
Leve e despreocupada, mas não inconsciente, talvez fosse mesmo melhor ser assim: viver constantemente embrigado e a flutuar neste estranho mundo de indefinição e incerteza; olhar as coisas como se fossemos sempre o espectador e até rir.mo.nos das bizarras circuntâncias em que nos encontramos. Não corremos riscos nem tomamos responsabilidade, simplesmente deixamos os acontecimentos correrem e esperamos para ver o que acontece. Que bom seria flutuar ao sabor da maré (como os rangidos de um barco sabor ao mar), que reconfortante deixarmo.nos andar perpetuamente em modo de piloto automático.
Pelo menos é o que pensamos na altura e, ainda que exista um mundo a efeverescer lá fora, as coisas não parecem assim tão más.

Mas é claro que a ressaca sempre vem.
E não é cortêz nem não pede licença: é um cobrador de impostos, uma chapada na cara, um duche de água fria. É a dor de cabeça e o corpo pesado, é o sabor amargo na língua e a frustração, cansaço e até arrependimento que seguem de mão dada com ela. É apenas a realidade (destroços em farpas de barcos encalhados na maré vazia) que vem à tona. E damos assim por nós a dançar entre estes dois estados de alma, por mais que uma vez.

Entretanto o mundo lá fora faz o resto: sabe o que quer, para onde vai e com quem vai. Já tem as notas, entregou as candidaturas, decidiu curso e faculdade; já arranjou a carta e o carro e sabe em quem votar, com quem estar e como estar. Tem controlo e poder de decisão e faz.te questionar se, no fundo, não tens andado a viver a vida em ciclos constantes que alternam entre a embriaguez e a ressaca por mais que uma vez (marés em ondas suaves que brincam com os teus pés descalços na areia) . Continuas na Terra do Nunca e quase todos os outros já partiram dali ou se prepararam para tal. Estás perfeitamente desorientada e nem licor nem Peter Pan te valem.

Talvez fosse bom, para variar, tomar as rédeas da tua própria vida.


[não, não é fruto de embriaguez real nem de ressaca literal mas uma reflexão metarfoseada de balanços e pedaços da minha vida. Christian Bale na fotografia ]

*

2 comentários:

  1. E dizias tu que não tinhas vontade para escrever nada com pés e cabeça...? Shame on you!

    God como adorei toda a tua suave mas simultanea e paradoxalmente doce captação dos dois estados diferentes e a ponte de passagem para ambos...

    ....

    ResponderEliminar
  2. nao sabia que tinham blog!
    Porque é nunca falaram dele!?

    ResponderEliminar