terça-feira, 10 de abril de 2018

Eu e o Tempo

















Digam-me lá que sou tão boa e tão talentosa. Digam-me lá que sou criativa. Digam-me lá outra vez que sou tão inteligente e que tenho imenso valor. Vá lá. Digam-me lá isso. Porque quem recebe os meus cv's e carta de motivação não pensa o mesmo.

É cartas de motivação, é cartas de apresentação, é cv's de uma página, é cv's de duas páginas, é cv's em inglês ou em português, consoante o gosto do freguês. É ainda comprovativos de que me dediquei a uma licenciatura (que demorou mais tempo do que a sociedade permite) e que aguardo defesa de tese (cujo mestrado as saídas me parecem tão enovoadas como um banho turco).

É emails atrás de emails. Apostas atrás de apostas. Respostas negativas ou não respostas de todo enquanto acumulo trabalho na minha secretária mordida todos os dias pela culpa de querer virar a página. E o tempo a passar aos saltos, à minha volta, como um bobo da corte já meio embriagado. (Haja alguém que se divirta pelo meio disto tudo.)

Não me queixo. Só desabafo. Sei o meu privilégio. Sei que sou uma mulher branca de classe média, alguns meses alta, outros baixa, mas sei a sorte que tenho em ter o que tenho à minha volta. Logo, não me estou a chorar. Estou a desabafar. Estou zangada com as balelas que nos vendem e com o difícil que é fazer aquilo que realmente se quer fazer de forma paga.

"Oh, que querida...chegaste finalmente a essa conclusão..." alguém pensa, atira, goza. Sim, verdade. Cheguei tarde e irrita-me o processo.

Até para isto cheguei tarde. Não me tenho dado bem com o tempo ultimamente. Essa noção temporal tem sido demolidora. Tem-me atormentado, espezinhado, angustiado. Não somos os melhores amigos agora. Para onde quer que olhe, ele ri-se de mim. Olho para os meus irmão e vejo a sua marca. A minha pequena já é uma miúda feita e o gordinho que outrora me enchia o colo, já sai à noite. Amigos do passado são estranhos. Não os reconheço. Mas acho que isso é a vida, não é o tempo, honestamente. E depois, vultos do passado que aparecem para acertar o presente. Lá está, mais uma prova de que o tempo passou. É um cliché tão grande a frase que os adultos nos atiram em pequenos de "não queiras crescer!" mas é tão estupidamente verdade. Olho para mim, sinto o tempo no meu corpo, nos meus quilinhos a mais ou na minha impaciência.

Não temos sido amigos, o tempo e eu mas não temos sido estranhos. Muito pelo contrário. Conhecemos-nos bem, sabemos em que lado da sala estamos e para onde queremos ir: lados opostos. E aqui estou eu. Chegada a casa de umas cervejas com uma amiga com a ideia de trabalhar mais um pouco em casa mas escrevo isto e já são quase 2h da manhã. Filho da mãe do tempo. Cabrão. Não temos sido grandes amigos, de facto.

O amor é que me tem segurado no braço. Acalma-me e diz-me para onde olhar e o que valorizar. Tenho saúde, tenho amor, tenho amizade, tenho risos e abraços. Tenho esperança e tenho um plano. Por muito que o tempo teime em passar e passar por cima de mim, com um plano tenho mais pé. Ou pelo menos tenho a sensação de que tenho mais pé.


p.s. - Já não se escrevem blogues obviamente a não ser que sejam de moda mas irei teimar em voltar aqui as vezes que forem precisas. Abri as janelas e avaliei os estragos, lembram-se? Não chegou, é verdade, para manter a casa a funcionar, no entanto, não estou disposta a vender esta casa. Passe o tempo que passar.



[Maria Callas, a única por quem o tempo passou, magoou, consagrou e que eu faço questão de trazer no meu coração]

terça-feira, 6 de março de 2018

Reflexão Póstuma



Cheguei a uma pequena epifania enquanto revisitava e procrastinava neste espaço (como faço sempre) e que gostaria de partilhar convosco. É a seguinte: já ninguém escreve blogues. Ou melhor dizendo, claro que ainda muita gente escreve blogues mas poucos os lêem efectivamente. Estamos sem paciência, a atenção é curta e a desinformação e as fake news são mais do que muitas. Acho que estamos todos um bocadinho saturados uns dos outros no apogeu da era digital, embora ainda agarrados a ela e sem saber muito bem o que fazer a seguir.

Estamos mais silenciosos, mas de vez em quando gostamos de ouvir o nosso próprio eco nestas paredes abandonadas.

Até já meus queridos (até daqui a um mês, três anos, dez anos, ou nunca mais; mas lembrem-se que se é para redescobrir os restos arqueológicos deste blogue, anos mais tarde, que ao menos seja com música do Indiana Jones em pano de fundo).