segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sentada, curvada e embalada


Estou exausta. De rastos mesmo. É como se estivesse sentada de joelhos no meio de um campo enorme de relva fofa e verdejante. Sim, estou num sítio feliz agora. Pelo menos mais tranquilo. Mas que não é seguro. É apenas temporário. Ainda há pequenas gotas de água presas em cada fio de relva. Gotas minúsculas e transparentes mas todas juntas conseguem reflectir a confortável luz solar. Há uma atmosfera primaveril quase retirada de um anúncio de algum perfume francês. Tons verdes, brancos, amarelos que pairam no ar juntamente com a brisa que me vai puxando os fios de cabelo encaracolados e desarrumados. Estou de vestido branco. Algodão, parece-me. Leve. E não sei porquê consigo ver-me de fora. Estou de costas. E meio encolhida a cambalear, curvada, para a frente. Embalo-me sozinha. Estou a pensar. Estou a descansar. A tentar ganhar forças. Estou no meu hiato. E estou exausta.

Mesmo depois de teres tentado com todas as tuas forças levantares-te, reunires forças e ganhares alguma tranquilidade, as coisas voltaram a desabar. Sim, não foi com a mesma força. Foi em surdina, quase invisivelmente mas começaram a cair das prateleiras. As forças que nem há um mês tinha sido apanhadas do chão, limpas e colocadas nas estantes velhas naquela divisão pequena mas sólida. E agora dás por ti sem conseguir distinguir o real do falso, o genuíno da cópia. Farta de ouvir as várias frentes. Farta de tentar ser forte. Farta de tentar encaixar as forças onde elas nunca encaixaram. Farta de abdicar, tirar, cascar de cada vez um bocadinho das suas forças para que o encaixe se vá dando. O problema é que há sempre um dia em que quando as vamos buscar, por alguma razão banal, elas nem para isso já funcionam. Estão gastas, velhas. Desvalorizadas. Irreconhecíveis. E depois? Como arranjar umas novas? É tramado. 
Ainda mais se outras pessoas souberem onde as arrumas. Como é que estão dispostas. Como é que são etiquetadas. Depois é mais fácil que elas nos falhem. É mais fácil que quando tentemos dar um passo novo, aquele mecanismo, aquelas palavras e frases tão "sentidas" (se calhar até são) nos roubem as forças e aí caímos de joelhos. Tal como aquela menina do início do texto, no meio da relva verde.
As frase são tão fortes, tão lindas, tão cinematográficas. Prometem-nos a eternidade, misturam intensidade e recuperam memórias doces e amarelas. No entanto a facilidade como são cuspidas cá para fora em cheio para a ponta do nosso nariz também assusta. Até que ponto serão sentidas? Como é que essa pessoa tem a coragem de evocar tamanha fragilidade? A verdade é que ninguém tem o direito de mexer assim tanto com os buracos negros de cada pessoa. E essas frases são como raticida: as forças morrem ao mínimo sopro.

Então mas voltando às frases tão bonitas e lindas porque é que não cedemos logo de uma vez? Porque é que não ignoramos as forças? Aliás, porque é que não deixamos de as tentar arrumar e nos deixamos levar? Porque é muito mais fácil tentar voltar a um sítio onde já fomos felizes (por muito infelizes que, de facto, tenhamos sido) do que tentar seguir em frente. Então e porque é que sacrificamos tanta paz de espírito, lágrimas e soluços pelo "seguir em frente"?

Não faço ideia, acreditem. Neste momento tenho algumas forças guardadas. Forças que me foram muito difíceis de recuperar e não tenciono fazer nada sem pensar bem. Aliás não tenciono pensar mais muito menos sentir. Tenciono deixar-me estar. Tenciono deixar de estar curvada, desdobrar-me, esticar o corpo, deitar-me na relva e olhar para o céu. Preciso de ficar aqui ainda mais um bocado. Preciso de sentir que este lugar ainda é meu e que é palpável. Preciso de sentir que vou ficar bem, que vou ser feliz e que nunca, mas nunca, vou deixar de ser quem sou. Quero sentir que cresci e que tirei alguma coisa disto mas isso já são outros Carnavais. 

E no fim, permaneço, descalça e cansada à espera. Já nada sei nem quero saber. Só sei, de facto, o que tenho na cabeça e o que tenho no coração. 

Melhores dias virão. Terão de vir.


[o excelentíssimo Wagner Moura. Porque já tínhamos saudades.]