sábado, 29 de setembro de 2012

Carta Aberta #01





Meu caro Ega, aqui nos encontramos outra vez.

Talvez seja estranho que eu, ao fim de tanto tempo a escrever neste blog para partilhar as pequenas banalidades do nosso quotidiano (quando os cafés e serões ocasionais não chegavam), finalmente empregue os formalismos de uma carta aberta. Abri pois com o vocativo, já que não me pareceu necessário meter os meus dados pessoais e morada por cima, e segue-se agora aquilo que é tradicionalmente a introdução, a apresentação geral do tema a que me proponho. Desculpa-me o tratamento mas realmente és e serás sempre o meu João da Ega, ou o meu Carlos da Maia, já que na verdade nunca percebi exactamente qual de nós as duas era o quê - mas somos certamente esta dupla, da mesma maneira que somos Fry and Laurie, Paul and John e os Monty Phyton todos em amálgama. De novo, peço-te desculpa, não consegui evitar que os exemplos acima acabassem todos por ser britânicos de gema, na admiração estranha mas infinita que tenho por esse povo. Ou então sou um génio, pois repara como comecei por evocar o Maias que são o mais português em nós por natureza e acabar com o melhor do reino de sua majestade, transpondo assim um paralelismo pseudo intelectual sobre a minha partida de Lisboa e estadia aqui em Nottingham. Ou então sou simplesmente idiota.

Escrevo-te assim aqui em jeito de carta por várias razões: em primeiro como resposta à mensagem que me mandaste depois da cirurgia (seu Camões zarolho), mas também porque desde que cheguei que te quero escrever uma carta propriamente dita sem o falso hight-tech, “erasmus com ela”, do skype. Caí assim neste limbo que é escrever para o nosso blog empoeirado, ainda sem a aproximação mais táctil da carta (que virá, só não sei é bem quando) mas mais ponderado e pessoal que todas as redes sociais. Eu cá não acho que este blog seja uma rede social; se tanto, será talvez uma rede antisocial, e com orgulho atrevo-me a dizer porque pelo menos sei que a mensagem chega aonde quero que chegue e tudo o resto é livre de se juntar, mas só se entrarem na sala sem fazer barulho. Repara também como já lixei o formalismo da carta pois não consegui ser sucinta ao apresentar o propósito da minha escrita no primeiro parágrafo e agora ando por aqui às voltas como é meu costume. Mas ao menos assim saberás que sou eu quem te escreve e não outro impostor, digamos, com aparência igualmente agradável e cabelo subversivamente encaracolado. Além de que me encontro neste momento num café no centro da cidade e de vista para a rua, exibindo orgulhosa mas discretamente as minhas botas de Robin Hood e o mac fielmente ao meu lado para que pensem o quão intelectual sou e se perguntem que coisas fabulosas estarei eu a escrever neste momento. Escrevo para ti minha cara e, a bem dizer, acho que ninguém se rala particularmente com isso já que o resto das pessoas nestes café são intelectuais e fabulosas só por si. 

Fico contente por estares bem depois da cirurgia, se bem que não consigo imaginar o que possa ter sido no momento e em particular na vulnerabilidade em que estavas, ou como terás lidado com a frieza de quem te tratou. Estou mais descansada por o Ricardo ter ficado ao teu lado e feliz por tudo o resto já ter passado. Não tenho nada que rivalize com essa experiência excepto talvez aquele episódio que provavelmente já te contei, quando a minha irmã de 3 ou 4 anos me arranhou o olho na brincadeira e por isso tive também de andar com uma pala no segundo ano. Eu sei que não se compara mas assim temos mais algo em comum ou, por pelo menos poderemos dizer que já pertencemos a esse clube exclusivo de pessoas que usaram palas e sobreviveram para contar a história, por mais ridícula que fosse.

Por enquanto estou bem, não vale a pena fazer a descrição extensiva de todos os dias que já passei por cá até porque já falámos desde então. Há coisas pequenas que fazem a diferença e por vezes podem ser tão simples como o sol (raro) que entra caloroso e radiante na minha janela por vezes, como foi hoje o caso. A casa faz-me realmente sentir-me em casa, bem como o quarto (que é porventura até mais importante), já me oriento bem na cidade sem ter a sensação de que esta é demasiado pequena ou claustrofóbica e a universidade tem realmente outro dinamismo - dei por mim inclusivamente a inscrever-me no grupo de drama e de caminhadas. Estou desejosa de começar e esta deve ser das poucas vezes em que anseio pela próxima segunda. Nottingham não tem certamente o charme de outras capitais europeias mas sinto-me bastante bem por cá, desde que me mantenha afastada das grandes festas “griego salto” com filas ordenadas de raparigas vestidas de minnie e quase roupa interior em plenos 9ºgraus à noite. À parte isso vou descobrindo sítios bem simpáticos e pessoas também curiosas e amistosas no geral, mas no meu lento ritmo. Acho que vou bem mas sinto obviamente a falta de muita coisa e muita gente sendo tu obviamente uma peça importante na minha saúde mental.

Espero que as coisas por aí estejam a ir bem e que comeces a levar os teus projectos para a frente, com ou sem Londres ao virar da esquina, porque esse tipo de entusiasmo ninguém te tira.. Aproveita também a nossa querida Lisboa que cada vez mais me convenço que é realmente a minha cidade favorita. Até lá manhosa, grande beijinho.


m. ou curlis ou carlos da maia (sim eu posso ser o carlos da maia, esse incestuoso)