sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Um quarto de século

Meu querido, querido, querido avô...

hoje dei por mim a falar consigo sentada no degrau da entrada do meu prédio enquanto fumava o último cigarro antes de entrar e descansar. Se calhar falei sozinha, se calhar pareci louca, se calhar atirei palavras para o ar, se calhar...

Mas a verdade é que falei. Pedi-lhe.Desabafei. Chorei. Pausei. Pedi que me fizesse companhia como me fez noutras vezes.

Não sei se é por estar quase a fazer 25 anos, não sei se é por estar cansada e sem forças, não sei também se não é porque o avô dele partiu na semana passada, não sei se finalmente me dei ao luxo de me lembrar da sua cara e das últimas memórias que tenho suprimido nestes últimos seis anos com uma força incrível. É como lhe disse...se não pensar quase que parece que nunca aconteceu. Mas a verdade é que aconteceu e agora nesta altura de maior cansaço e desespero em que lhe escrevo ou falo, encaro o que tive que perder. Quem tive que perder. Quem me faz falta e quem não está cá para ficar orgulhoso ou me levar ao cinema a um domingo à tarde de nissan preto.

Se calhar foi também de ter acordado tão cedo e de estar exausta ou de ter bebido três cervejas e um vodka com seven up ou de já ter entrado a pés juntos na reminiscência de 2010 assim que Os Pontos Negros deram os primeiros acordes no concerto que fui ver hoje.

Não sei, se calhar...o que importa? Hoje pensei em si por inteiro ao fim de muitos anos. Lembrei-me da pessoa, dos vícios, do sorriso, do cérebro, da saudade. De tudo.

Vou fazer um quarto de século. E só quero ser uma pessoa com algum propósito nesta vida. Seja entre os pais, entre os manos, entre os amigos ou trabalho e projectos. Estou a esforçar-me para deixar uma marca. Estou a esforçar-me para ver tudo pelo lado positivo, para não fumar demais, para beber só o suficiente, para poupar que chegue, para aprender, para saber ouvir, para ser menos dramática. Acho que até me tenho saído bem. Mas hoje, hoje o cansaço alcançou-me. Hoje baixei os braços. Hoje disse-lhe que já chegava, que estou seca e dormente, que não fui eu que lhe tirei o avô. Ninguém teve culpa de o avô partir. É o que é. É uma merda mas não deixa de ser o que é. Por isso é que (nós) eu me agarro ao "outro lado", em senti-lo, em sonhar consigo. Tem de existir algo mais. E existe. E é precisamente por isso que dei por mim a falar consigo, meu querido, querido avô Rui, a assumir as minhas saudades violentas entre soluços e palavras, entre lágrimas e fumo de cigarro.

Eu sei que anda por aqui e sei também que nos está a ver a todos. Chamem-me maluca, chamem-me cristã ou tola. Não quero saber. Eu acredito. Assim como acredito em nós, em mim e nele juntos. Sou uma pessoa de fé e não me abalam com facilidade. Por isso, até me considero uma miúda forte. Mas hoje, hoje entreguei-me à sua memória, ao desabafo com o vazio no degrau da entrada do meu prédio.

Há noites que acabam assim e não tem mal. Sinto-me tranquila. Sinto-me feliz. Consegui finalmente exteriorizar tudo isto que silenciei durante seis anos inteiros. Mas vou fazer um quarto século e estou cansada e sinto a sua falta como se tivesse sido ontem. E ele está desorientado. Por isso, libertemos tudo e vejamos onde estamos e para onde queremos ir.

Vai tudo correr bem, eu sei. Eu acredito. Sou uma miúda de fé.

Meu querido, querido, querido avô Rui.

Nunca se esqueça: As saudades são imensas mas o amor é eterno.