quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pele Febril


Hoje acordei tão ressacada de mim própria.

Doia-me a cabeça, ardia de calor, tinha a boca seca, sentia-me pesada. Só queria voltar a dormir outra vez mas a consciência impediu-me de fazê-lo. Não ia deixar a minha mãe ir ver cortinas para a cada de banho sozinha com os meus irmãos a correrem pelos corredores fora. Enfim lá a muito custo com os gritos do meu irmão e com a correria da minha irmã assim como as ameaças de se ir embora sem mim da minha mãe, levantei-me.

Lavei a cara e os dentes. Lentes de contacto e roupa. Num exercício silêncioso lá consegui vestir a mesma roupa do costume, quase como se de uma farda se tratasse. Sinto que visto sempre a mesma roupa todos os dias e isso também não ajuda nada, acreditem. Rapidamente me apresento junto à porta de casa e o mote é finalmente dado: Sair!
Os minutos que se seguiram já dentro do carro foram apenas de habituação. Regular os olhos à luminusidade. Habituar a pele à temperatura. E adaptar a paciência às várias ladainhas vindas do banco de trás.

"Eu vou comer, comer, comer laranjas e bananas! Ruuuuuca, Ruuuuca! Sou eu!"

Sem saber como nem porquê a minha mãe pára frente à escola de condução de Algés.
"-O que é que estamos aqui a fazer, mãe?"
"-Então não temos que ver os preços? Vai lá dentro."
[Ohhhh mãe estou com vontade de me fechar numa despensa bem escura cheia de conservas, por favor]

Respondo secamente.
"-Mãe não 'tou com paciência nenhuma para falar com ninguém. Aponto o número de telefone e depois logo ligo." Quando me preparava para rabiscar uns números nas costas de uma folheto pensei "Porque não? Anda lá. Deves ir." e sem mais nem menos atiro um "Olha vou lá "mazé"! e entre o pegar na mala e fechar a porta já tinha saído do carro e dirigia-me para o prédio. Senti que tinha de ir. A desculpa da ressaca ou do sono, ou melhor a falta dele, não chegava.
Fui, falei, perguntei, ouvi e sorri."-Sim mãe, é aqui mesmo!". Ainda bem que lá fui. Sinceramente.
Rapidamente este pequenino foco de alegria fugiu assim que entrámos no Ikeá para uns ou Ikeia para outros e me vi a correr atrás da minha irmã.
Toda desengonçada lá corria atrás da pulga que soltava uns gritos alucinantes de fazer corar qualquer um assim que eu a apanhava pelo braçinho gorducho e macio.

Que maravilhosa superfície comercial se seguiria? O Modelo!
Mas lá ao menos arrecadei uma calcinhas bem jeitosas a um preço muito simpático. Mas toda este nuvem negra autodestrutiva que vinha a arrastar desde que abri os olhos insistia em dar sinais de vida. Vesti uma camisola. Senti-me tão insatisfeita. Tão irritada. Tão infeliz.
Parece idiota, eu sei, mas é tão verídico e real.

Há dias em que nem me posso aproximar do espelho porque tenho vontade de me esmurrar a mim própria, dias esses em que tudo o que ponha sobre o meu corpo fica obrigatoriamente mal, dias em que tudo aquilo que as outras pessoas me dizem assume novos contornos, mais ofensivos até, dias em que só me apetece gritar e hoje foi um desses dias.
Mesmo quando adormeci à tarde ao lado da minha irmã vários sonhos idiotas me inundaram a mente. Nem a dormir consigo ter descanso e acabo por acordar com aquele maldito calor colado à pele. Sinto-me irritantemente febril. Depois de jantar dou uma saída rápida com os meus pais e consigo sentir pela primeira vez desde que acordo, frio. Arrepios a sério. Fortes.

[Nem sabem o alívio que senti]

Agora sentada a este ecrãn pálido volto a sentir momentaneamente períodos de calor mas que rapidamente ataco com o fresco vindo da rua.

Ponho agora a hipótese que ao longo do dia a minha epiderme passou o tempo todo a gritar ou a barafustar comigo através do calor, do suor, da boca seca. Como se quisesses dizer alguma coisa.


*

Admito que a qualidade da escrita dos posts ou até mesmo os posts em si possam ter perdido alguma credibilidade ou interesse mas a verdade é que com a ausência da minha cara companheira cronista tenho mais espaço para dar azo a questões mais superficiais e voláteis. Enfim...são posts podem não ser assim tão pseudo-intelectuais.
Temos pena, mas não tanta assim.
[Drew Barrymore para um sessão fotográfia da revista GQ]

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