sábado, 30 de abril de 2011

Dias de chuva vaga



É estranho.

Hoje, sem que nada o previsse, fui apanhada por um súbito e verdadeiro sentimento desamparo, tristeza e medo pelo futuro. A clássica crise existencial. E nada tinha dado aparentemente motivos para isso: o dia correra-me o mais normal possível até então, a minha vida (felizmente) não está marcada por grandes provações ou tragédias que tenham desencadeado isto, e nunca fui por natureza uma pessoa de tendências depressivas. No entanto ela apareceu - foi quase de rompante, enrolou-se durante um bom tempo comigo e, quase tão repentinamente como surgira, também se foi embora deixando só um sabor amargo no tom dos pensamentos.

Estava sentada na paragem de autocarro sozinha a fixar a Praça do Comércio praticamente vazia e a chuva leve a cair sem parar. Eram oito e tal da noite mas nestas noites de primavera o céu ainda está de um azul cinza vago; luzes ao fundo, do outro lado da margem junto ao horizonte, os tons púrpura escuro do alcatrão e a luz alaranjada reflectida nas poças. Sim, lembro-me disto claramente. Redundante? talvez. Talvez o meu humor estivesse cada vez mais instável porque começava a ficar frio e demasiado tarde, e eu só tinha aquela manga curta e o chapéu de chuva que trouxe afinal estava estragado. Talvez fossem as hormonas e a minha irritação latente com madeixas recém feitas (demasiado claras) e um marca feia por cima do lábio que na minha cabeça destoam com tudo o resto. Talvez fossem as curtas palavras, quase em tom de presságio, de um amigo meu que acabara de encontrar e que apesar de todo o meu cepticismo mexeram comigo, mais o maldito filme do Lars Von Trier que também não me saía da cabeça. Fosse o que fosse. A verdade é que não conseguia deixar de ter esta sensação.

O medo pelo futuro, pela minha família, pelas crises, pelos (des)empregos, pelas guerras. Mas acima de tudo um medo também por concretização pessoal. Preocupou-me os sítios que poderia nunca visitar, todas as ambições e ideias por realizar e as pessoas por conhecer. Preocupou-me nunca amar de facto alguém, ou pelo menos não amar o suficiente ou com toda a intensidade. Preocupou-me “a regra dos 20” e tudo o que ela comporta, e preocupou-me todas as coisas que tenho por fazer. O medo do medo de viver. Foi implacável que num dia como tantos outros me batesse a crise existencial de forma tão forte e injusta.

(Porra, a porcaria do eléctrico a estas horas nunca mais chega).

A recordação omnipresente de Erasmus por fazer veio atrás, junto do entusiasmo renovado dos meus colegas prontos a partirem e desses estrangeiros viajados que vou encontrando quase ao acaso. Pela primeira vez na minha vida, questionei-me se este seria um daqueles momentos de viragem decisivos que eu lamentaria ter perdido enquanto oportunidade. A ideia insistente que tinha de fazer aquilo para o ano ou então ficaria tarde de mais, longe de mais para ser palpável e para agarrar. Neste momento penso em perspectiva que as coisas não são assim, que nós podemos fazer praticamente o que quisermos com as nossas escolhas, mas reconheço que uma parte de mim tem este medo quase irracional de estar a deixar escapar algo fundamental por entre os dedos.

Acima de tudo, receio viver a maior parte do tempo entediada ou alienada perante as coisas; não é bem assim, eu sei (amanhã provavelmente pensarei com maior clareza) mas a maior parte das vezes é o que parece.

Não se preocupem, o copo não está meio vazio muitas vezes mas quando fica assim é um estado tramado.

senhor Depp na imagem. again.

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