Estamos com quase mais um ano de crónicas por completar (parece verdadeiramente inacreditável, não?) e no entanto não posso deixar de fazer um pequeno balanço da situação.
Ainda há algum tempo atrás, eu e a querida kitch estávamos a falar num desses serões e o tema das coincidências manhosas veio à conversa. São pura e simplesmente aqueles apontamentos, uma coisa aqui e outra que aconteceu ali que nos mete a pensar pois bem, se virmos isto olhando de há dois anos para cá, não deixa de ser irónico. E de facto há coisas tramadas.
Afinal os intelectuais desalinhados sobre os quais idealizámos aparentemente estão mesmo ao lado em carne e osso, e aquela ideia quase romântica de crescermos e irmos para a universidade para ter serões de estudo nos cafés até ao final de tarde, bebermos uns copos com os amigos pela noite fora e de dar-mos o ar de nossa graça enquanto trabalhamos para aquilo que gostamos.. bem, de certa forma acabámos por nos tornar nisso mesmo. Isto não quer dizer que estejamos a viver a puta da loucura da vida urbana e universitária - quando na realidade, oitenta por cento do tempo é dedicado à vida da faculdade ou à simples noção do que devíamos estar a fazer alguma coisa para a faculdade.
Mas é engraçado.
Toda aquela ideia da boémia e o súbito e inexplicável fascínio por filmes como as “Chansons d’Amour”, pela altura em que precisamente estávamos a iniciar este blog, nunca teve nada a ver com uma história em particular.. mas sim com os ambientes, com as personagens garrelianas que testavam o nosso imaginário, e com as possibilidade de um modo de vida cosmopolita que parecia fervilhar ao virar da esquina seguinte. Contudo lembro-me nitidamente disto: de descer a pé a longa avenida das embaixadas que fazia sempre à saída da secundária, num dia frio e de nevoeiro extraordinariamente semelhante ao de hoje, e de me imaginar a fazer aquele percurso como se estivesse noutro sítio completamente diferente - quem sabe, uma cidade como Paris ou com a perspectiva de um café quente do outro lado da rua.
É verdade que por agora não temos Paris, mas o resto do espírito está lá. E o mais irónico é que nem sequer envolve os “verdadeiros” intelectuais, hypsters ou boémios - só um bocadinho e só de vez em quando. Se há alguma coisa descoberta num ano e meio de faculdade é mesmo o prazer e o charme de Lisboa nas pequenas coisas, o poder de conhecer pessoas com gostos idênticos mas maravilhosamente diferentes (oh, tão diferentes do secundário nesse aspecto meus queridos) ou os magníficos materiais inúteis que vamos encontrando por aí meio escondidos.
Um desses mimos escondidos é, por exemplo, o
Super Bock em Stock da semana passada com direito a bom serão e a música sempre
mui fresca (de facto, depois de ver a maravilhosa
Janelle Monáe num ano em que ainda tivemos direito a Jamie Cullum em dose dupla ou Michael Bublé, nada mais poderia rematar esta temporada de concertos). Foi o Tivolli, o S. Jorge, o Maxime cheio, a garagem abafada do Marquês e até um autocarro da carris. Houve dança quando se pôde, copos de sangria gelada durante os intervalos, chuva e filas na rua, e até conversa descomplexada no final da noite com estonianos. Mais uma carga de chuva bem forte e mesmo em cheio, guarda-chuvas oportunamente abertos. O serão prolongou-se e quando finalmente cheguei a casa fiquei vários minutos a tremer em frente a um aquecedor, com uma poça nas meias e um diário gráfico encharcado ao lado.
E isto sim, é irónico. Porque apercebo-me que, vendo de há dois anos para cá, até estou onde quero estar. And I really don’t know what to say about that.
na imagem colin firth e julianne moore para a new york times. fotografia de inez van lamsweerde e vinoodh matadin.